quarta-feira, 4 de junho de 2008

Fontana


Fontana



O lendário e respeitado zagueiro José de Anchieta Fontana foi um meteoro. Nasceu em Santa Teresa, nas montanhas capixabas, a 31 de dezembro de 1940, e faleceu de infarto, aos 39 anos, já afastado do futebol profissional, a 9 de setembro de 1980, quando jogava uma partida em Vitória com os amigos. Deixou, fruto de seu casamento com Andréa Simão, os filhos Fabrício, Sabrina e Bernardo, além de um legado de histórias de coragem, destemor e dedicação aos clubes por onde passou e à Seleção Brasileira.

Desde cedo, despertou o interesse pelo esporte. Era um tipo alto, forte e de olhos verdes. Parecia um artista de cinema. Contrastava com a maioria dos jogadores e fazia enorme sucesso entre as mulheres. Começou jogando nas divisões inferiores das equipes da capital capixaba — Vitória e Santo Antônio —, mas logo se firmou como titular do Rio Branco, quando foi descoberto e levado ao Rio de Janeiro para jogar no Club de Regatas Vasco da Gama, onde formou, de 1962 a 1968, a famosa e temida zaga com Hércules Brito Ruas.

Logo que chegou em São Januário, assumiu a condição de titular e, mesmo nos treinos, levava tão a sério que disputava as jogadas como se estivesse numa partida. Isso despertou a atenção da torcida cruzmaltina, que passou a chamá-lo de “Xerife”. Num jogo pela Taça Guanabara, em 1967, o Botafogo — com Gérson, Jairzinho e Paulo César — estava ganhando por 2 a 0. O time do Vasco era o coração de Fontana e mais dez. Contagiou tanto os companheiros que veio o empate. Nos minutos finais, fez de cabeça, o gol da vitória. Virou ídolo.

Duro, viril, mas leal, foi um dos mais implacáveis e antológicos marcadores de Pelé. Nos jogos entre Vasco e Santos, travaram inúmeras disputas que passaram para a história do futebol. Certa feita, no Maracanã, o Vasco ganhava do time da Vila Belmiro por 2 a 0 e a famosa zaga não dava a menor oportunidade ao “Rei” que estava visivelmente nervoso. Em jogos anteriores contra o mesmo Vasco da Gama — por quem Pelé confessadamente nutriu uma paixão na infância — o “Atleta do Século” havia sido expulso e até perdido pênalti.

Diante da vantagem no placar, Fontana começou a provocá-lo: “Brito, dizem que um rei vinha jogar contra nós, você viu algum rei por aí?”. Pelé estava a menos de um metro de distância e ouviu tudo. No primeiro descuido da zaga, fez um gol. Quando faltavam dois minutos para terminar o jogo, fez o segundo. Não comemorou. Foi ao fundo da rede, pegou a bola e, ao passar por Fontana, a entregou e disse: “É presente para sua mãe. Diga que foi o rei que mandou”. O tempo fechou e quase foram expulsos.

O reconhecimento veio depois, quando João Saldanha convocou a Seleção Brasileira para as eliminatórias da Copa do Mundo, de 1970, a ser realizada no México. Aquela equipe ficou conhecida como “As feras do Saldanha”. Fontana estava na lista. Recebeu do próprio Pelé um elogio: “Time que tem Brito e Fontana não pode ter outra denominação”. Era o respeito explícito do “Rei do Futebol” a um dos jogadores mais duros e corajosos da história do nosso futebol.

Fontana havia tido uma passagem pela “Seleção Canarinho” na preparação para a Copa da Inglaterra, em 1966. Foi um dos 47 convocados por Vicente Feola. Tinha 25 anos, mas a desorganização era geral. Ao final, não foi relacionado. O Brasil foi eliminado na primeira fase da competição. Para a Copa de 70, ele incorporava a garra e o destemor que eram marcas características de seu pragmático treinador, conhecido como “João sem Medo”. Agora, havia um “Xerife” na zaga do Brasil.

É que o Brasil estava temeroso em disputar aquelas eliminatórias. Havia sido desclassificado da última Copa com Pelé sendo caçado em campo e sem ninguém para “impor respeito” a Vicente e Moraes, de Portugal, que tiraram o “Rei” de campo com uma seqüência impressionante de faltas. A imprensa dizia: “Perdemos na bola e, ainda, apanhamos”. Aí, lamentaram que dois jogadores que colocavam a “alma nas chuteiras” haviam ficado de fora: Fontana e Almir, o “Pernambuquinho”.

Vivíamos em plena ditadura militar e o treinador João Saldanha precisava formar uma equipe técnica, porém determinada a “enfrentar sem medo os adversários em qualquer campo e circunstância”. Mas o regime achava que ele tinha idéias comunistas, o que foi agravado pela não convocação do atacante Dario, do Atlético Mineiro, que tinha o presidente Médici como um dos seus admiradores.

Num jogo em Porto Alegre, contra a Argentina — em que o Brasil perdeu por 2 a 0 —, um repórter perguntou sobre a convocação de Dario, que era vontade do presidente. João Saldanha estava em seu Estado natal, e sabe como são os gaúchos... Respondeu: “O presidente que escale o seu ministério, a Seleção escalo eu”. Os asseclas do regime militar deram àquela resposta um cunho de ofensa pessoal ao presidente da República.

Para um treinador de um time de “feras”, não havia mesmo outra coisa a falar. Nos bastidores da CBD, a conspiração “correu solta” para demiti-lo. Agravado pela derrota contra o principal rival, os conspiradores empurraram para a função o ex-jogador Mário Jorge Lobo Zagallo, sem a menor experiência. Subserviente, tratou logo de convocar o folclórico Dario, o “Peito de Aço”, e acomodou a situação junto ao Governo da ditadura.

Fontana continuou convocado, mesmo contra a vontade de alguns “puristas”. Durante a Copa, ele ficou na reserva de Piazza. Jogou apenas contra a Romênia, quando o Brasil ganhou por 3 a 1, já classificado para a fase final. Atuou com a camisa 15, de quarto zagueiro. Fez excelente partida, marcando “na bola” o principal atacante adversário e craque da equipe: Dumitrache. Ao final, foi cumprimentado pelo romeno, que lhe pediu a camisa.

Quando o Brasil sagrou-se tricampeão, ficando definitivamente com a Taça Jules Rimet, os jogadores foram ovacionados em seus Estados ou onde jogavam. Com Fontana não foi diferente: desfilou em carro aberto pelas ruas de Vitória. Quando ia passando pelas imediações da Praça Costa Pereira. Alguns capixabas descontentes por vê-lo sendo homenageado, o vaiaram. Sabe como é a mediocridade da terrinha: fazer sucesso em qualquer área no Espírito Santo é um pecado imperdoável.

Mas Fontana nem deu bola. Até parecia que não era o velho e bom zagueiro que não levava desaforo para casa. Estava feliz. Em outros tempos seria capaz de descer e tirar satisfação. Agora, era um tricampeão do mundo. Havia coroado a brilhante carreira como jogador de futebol defendendo três clubes — Rio Branco, Vasco da Gama e Cruzeiro — além da Seleção Brasileira.

Foi respeitado por atacantes, torcedores, dirigentes e a crônica esportiva. Manteve fora dos gramados uma vida digna e, dentro dos campos por onde jogou, colocou o valente coração no “bico da chuteira”. Anos depois, já aposentado como jogador profissional, indagado sobre o episódio quando foi vaiado no momento mais importante de sua carreira, voltou a ser o Fontana destemido, corajoso e que não tinha papas na língua, disse:

— Vitória é um curral, como sempre foi.


Maciel de Aguiar

2 comentários:

Aguinaldo Junior disse...

Vitoria nao é um curral.
Mas dito por um capixaba deste porte, aceito como um desabafo em momento de mta raiva.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.