Texto de Lúcio Humberto Saretta
O futebol tem a inestimável virtude de gerar e perpetuar personagens. Homens que habitam um canto distante de nossa mente, aparecendo de quando em quando, despertando em nós lembranças e sentimentos adormecidos. As primeiras imagens de Orlando Lelé chegaram até mim graças a um programa de tv dominical, em que o jornalista Milton Neves mostrava gols de arquivo.
Com a sua silhueta impressionante, Orlando capturou como poucos a aura de sua época de jogador, ou seja, os anos 70 do século passado. Invariavelmente atuando na faixa lateral direita do Maracanã, corria vigoroso atrás da bola. Longas melenas e um vasto bigode adornavam o rosto de Orlando, enquanto o seu corpanzil branco e
magro empregava mais uma investida ao ataque.
Natural de Santos, Orlando começou a sua carreira no clube alvinegro da Vila Belmiro. Eram os últimos anos de Pelé no time e o jovem ocupava esporadicamente a lacuna deixada por Carlos Alberto Torres na lateral direita. Jogando ao lado dos argentinos Cejas, goleiro campeão do mundo com o Racing , e Ramos Delgado, Orlando foi aprimorando o seu ofício. Mas era um plantel desorganizado. O meia Afonsinho atesta que “a diretoria era muito fraca
, o ambiente conturbado”. No ataque, Alcindo e Pelé tentavam reviver os tempos de seleção brasileira, sem sucesso. No ano de 73 Orlando militaria nas fileiras do Coritiba, vivendo um momento ímpar em sua vida. O técnico do clube coxa branca era o famoso Tim, grande estudioso do futebol e campeão argentino de 68 com o San Lorenzo. Apesar de ter rendido bons frutos, a experiência em canchas paranaenses não durou muito. O destino de Orlando Lelé seria o América carioca. Lá as coisas começariam a acontecer de verdade para ele e um grande sonho seu se tornaria realidade: a camisa verde e amarela.
O América de então estava longe de ser o clube pobre e estagnado que é hoje. Pelo contrário, era u
ma das forças do futebol, não só do Rio de Janeiro como do Brasil, figurando como protagonista nos campeonatos nacionais. O seu ataque era uma digna constelação, formando com Flecha, Bráulio, o “garoto de ouro”, Luisinho, Edu e Gilson Nunes. Edu Coimbra, além de irmão de Zico, é também o maior artilheiro histórico da agremiação rubra. Orlando constituiu-se rapidamente em um baluarte daquele time. De seus pés saíam inclusive gols importantes, como aquele que ajudou o América a derrotar o Fluminense na final da Taça Guanabara de 74. Na época, o presidente Wi
lson Carvalhal não titubeou em afirmar que “o América sabe vencer sem humilhar e perder sem humilhar-se”.
A consagração de Orlando seria a convocação para a seleção brasileira. Em uma partida marcante contra o Uruguai no Maracanã, em abril de 76, ele faz a sua
estréia entrando no lugar do flamenguista Toninho Baiano. Tudo corria bem, até que em um lance fortuito Rivelino dá um soco no lateral celeste Sergio Ramirez, revidando uma agressão ao jovem Zico. Ramirez não esqueceria tal gesto. No final do jogo, enfurecido, ele corre atrás do “reizinho do parque”, que, ciente do perigo da situação, rola escada abaixo no afã de refugiar-se nos vestiários. O sururu está formado. Nesse instante surge Orlando como um raio, na tentativa de socorrer algum companheiro. Ferido em seus brios, não pôde fugir à luta, que naquela altura envolvia até mesmo repórteres e membros das comissões técnicas das duas seleções.
A vida segue e as mudanças nos clubes ao final de cada temporada são grandes. Não surpreende, pois, a contratação de Orlando pelo Vasco da Gama em 77. Em São Januário ele receberia vários apelidos por parte da imprensa, como por exemplo, “o canhão da colina” e “o homem que come chumbo”. O clube cruzmaltino tinha como timoneiro Orlando Fantoni, que soube como ninguém entender o espírito do grupo e montar uma defesa que ficou conhecida como “a barreira do inferno”: Mazaropi, Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio. Não foram poucas as vezes em que “titio Fantoni”, como era chamado pelos jogadores, exultou à beira do gramado com os chutes de Orlando. Tais petardos, se não redundassem em gol, serviam de alimento para Roberto Dinamite, sempre atento ao rebote da zaga.
Orlando Lelé morreria jovem. Após sofrer um acidente doméstico em que ficou tetraplégico, partiu com apenas 50 anos. Sempre lembrado como um sujeito brincalhão e alegre, Orlando jamais comprometeu em serviço, deixando um legado de boas e edificantes memórias dentro do esporte.
Lúcio Humberto Saretta é escritor e mora em Caxias do Sul/RS
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