terça-feira, 25 de novembro de 2008

Um baile no Campeão Europeu

Vasco 4x3 Real Madrid (I Torneio de Paris 1957)
Grande parte do texto abaixo e' uma transcricao do livro O Expresso da Vitoria - Uma Historia do Fabuloso Club de Regatas Vasco da Gama, de Abraham Bohadana, paginas 62-66.
O Torneio de Paris nasceu em 1957 para ser o grande evento do calendario internacional do futebol frances. Para sua primeira edicao foram convidados o Racing Club de Paris, um dos melhores times franceses da epoca; o Vasco, campeao carioca de 56, representando a escola sul-americana; o Rot Weiss Essen, uma das mais poderosas equipes da Alemanha; e, como grande atracao, o Real Madrid, considerado simplesmente o melhor time do mundo.
E justica seja feita, o Real era mesmo um timaco. Uma maquina, que tinha o "pessimo" habito de golear seus adversarios. Se a defesa era uma muralha, o ataque era avassalador, com destaque para o frances Raymond Kopa e sobretudo para Alfredo Di Stefano. Nao era a toa que o Real, bicampeao europeu `aquela altura, seguiria vencendo a Copa dos Campeoes Europeus seguidamente ate' 1960.

O Vasco ja' havia enfrentado aquele poderoso Real Madrid quase um ano antes, em julho de 56, na Venezuela. Em tres partidas, houvera uma vitoria para cada lado e um empate - nos dois primeiros encontros, pelo torneio Pequena Taca do Mundo, vitoria do Real por 5 a 2 na primeira rodada do turno e empate de 2 a 2 na ultima rodada do returno, resultado que inclusive deu o titulo aos espanhois. A partida foi tao boa que Vasco e Real foram convidados a realizar novo encontro no dia seguinte, que terminou com a vitoria vascaina por 2 a 0.

Quanto a Di Stefano, era um velho conhecido do Vasco. Quase 10 anos antes, Don Alfredo havia jogado pelo River Plate na final do Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeoes. Anulado pela defesa cruzmaltina, o Saeta Rubia nao pode evitar o titulo invicto do Vasco naquela ocasiao.

A participacao no Torneio de Paris era para o Vasco parte de uma longa excursao de meio de ano, que havia comecado em 5 de junho no Caribe, com uma vitoria por 2 a 1 sobre a Selecao de Curacao. A seguir, uma parada em Nova York, onde em 9 de junho derrotou facilmente o Hakoach por 6 a 2. O time dirigido por Martim Francisco partiu entao para a Europa, onde faria mais onze partidas, comecando pelas duas programadas para o Torneio de Paris.

Na partida de abertura do torneio, o Vasco enfrentou o time anfitriao, o Racing, na noite de 12 de junho de 1957. Para supresa geral, o Vasco botou os franceses na roda, deixando a torcida e imprensa boquiabertos. A tal ponto que a vantagem de 1x0 no primeiro tempo (Livinho aos 22 minutos) foi considerada um presente para o adversario. E o placar final de 3x1 (Pinga aos 13 e Vava' aos 22, descontando Senac aos 44), um resultado injusto, que nao refletia nem de longe o que fora a partida.

Na partida de fundo, confirmando as expectativas, o Real nao tomou conhecimento do time alemao goleando-o por 5x0, com uma notavel exibicao de Kopa e Di Stefano.

Para a final do dia 14 de junho no Parc de Princes entre Vasco e Real Madrid, os espanhois eram considerados amplos favoritos pela imprensa francesa. No seu livro O Expresso da Vitoria - Uma Historia do Fabuloso Club de Regatas Vasco da Gama, Abraham Bohadana conta com riqueza de detalhes o que todavia ocorreu:

- Suave e' a noite
Apos uma partida preliminar maluca, que viu a vitoria do Racing sobre o Rot Weiss pelo placar esquisito de 7x5, Vasco e Real entraram em campo para a final, diante de um publico numeroso [38 mil] e avido de emocoes.

E emocoes nao faltariam: aos 4 minutos, aproveitando-se de uma indecisao de Viana, Di Stefano colocava o Real em vantagem. O gol espanhol pegou o Vasco ainda frio e criou o cenario ideal para um europeu: um jogo agradavel, uma noite maravilhosa, uma equipe brasileira habilidosa mas perdendo.

Foi entao que, num passe de magica, o Vasco passou de dominado a dominador. Seus jogadores comecaram a tocar a bola com tal habilidade que a partida foi se transformando numa verdadeira brincadeira de gato e rato. O gol de empate, era obvio, nao tardaria. Aos 20 minutos o lateral direito Dario fez um longo passe transversal para Ortunho que, de primeira, enfiou para a corrida de Pinga. O grande ponta foi a linha de fundo e jogou para tras, para Valter, que soltou uma bomba que estufou a rede espanhola.

Entre estupefatos e divertidos, os franceses aplaudiram, sem saber que o melhor estava por vir. Qual um rolo compressor, o Vasco continuou o recital. Mesmo desfalcado de alguns titulares convocados para a selecao brasileira que disputava as eliminatorias da Copa do Mundo, o Vasco botou o grande Real Madrid na roda. De modo que ninguem se surpreendeu com o segundo gol. Aos 32 minutos nova jogada de Pinga pela esquerda, novo passe para a area, desta vez para o complemento de Vava', o "Peito-de-aco", enfiado entre os zagueiros espanhois. Conquistados, os franceses ensaiaram um Vascô, Vascô.

Humilhado pelo banho de bola, o time espanhol voltou para o segundo tempo agressivo. Logo aos 8 minutos Mateos empatou, concluindo bela jogada de Kopa. Empolgados e apoiados pela torcida que ja' havia esquecido a exibicao vascaina do primeiro tempo, os jogadores do Real resolveram ganhar no grito: Gento agrediu Pinga com uma cabecada e o pau comeu durante 10 minutos. Praticamente sozinho o negao vascaino Ortunho botou o time espanhol p'ra correr.

Os animos haviam apenas serenado quando o mesmo Ortunho entrou duro sobre Mateos, obrigando o jogador do Real a deixar o gramado. Como os espanhois ja' haviam feito as duas substituicoes regulamentares, os dirigentes do Vasco se opuseram a substituicao de Mateos, numa atitude que nao contribuiu em nada para acalmar os animos.

Com Mateos fazendo numero (ou fingindo) a partida recomecou e com ela o dominio do Vasco. Ate' que aos 21 minutos veio o terceiro gol. Uma obra de arte. Uma pintura digna de ser exposta no Louvre (ou numa vitrine da Rua do Ouvidor). Em jogada sensacional, Valter enfiou uma bola de curva para Livinho deslocado pela meia esquerda. Este, cercado de espanhois por todos os lados, nao pensou duas vezes: ao inves de tentar passar a bola para um companheiro desmarcado, simplesmente optou pelo impossivel. Com um toque leve e sutil, quase diafano, tocou pelo alto encobrindo o goleiro espanhol.

Conquistados, os franceses aplaudiram. Deseperados, os espanhois tentaram reagir na raca. Mas o Vasco tinha a partida nas maos: aos 39 minutos, numa jogada acrobatica que provocaria sua contusao, o meia Valter marcaria o quarto e ultimo gol vascaino.

Completamente abatido, o Real, num sobressalto de orgulho, se lancou a frente com todas as forcas, conseguindo diminuir o marcador atraves de Kopa aos 44 minutos. A torcida, que no primeiro tempo tinha vibrado com o Vasco mas que durante a briga apoiara os espanhois, vaiou quando apos a saida a bola foi atrasada parao goleiro Carlos Alberto.

Depois do jogo, de cabeca fria, os franceses entenderam que tinham visto um espetaculo raro, embora doloroso para eles: o baile que os "sambistas" negros tinham aplicado no campeao europeu, considerado o melhor time do mundo. Vale a pena reler o que escreveu no dia seguinte Jacques Ferran no jornal l'Equipe:

"E entao, bruscamente o Real desapareceu literalmente. Seriam as camisas de um vermelho palido ou os calcoes de um azul triste que enfraqueciam a soberba equipe espanhola? Nao; e' que, antes, apareceram subitamente do outro lado os corpos maravilhosos, apertados nas camisas brancas com a faixa preta, de onze atletas de futebol, de onze diabos negros que tomaram conta da bola e nao a largaram mais.
Durante a meia hora seguinte a impressao incrivel, prodigiosa, que se teve e' que o grande Real Madrid campeao da Europa, o intocavel Real vencedor de todas as constelacoes europeias estava aprendendo a jogar futebol".

Por sua vez, o jornalista Gabriel Hanot, o mesmo que mais tarde chamaria Pele' de Rei, admitia que o Real fora totalmente dominado. No time do Vasco, a defesa com quatro zagueiros tinha causado grande impressao, mas o destaque ficava mesmo para o meio campo e para o ataque, onde Laerte, Livinho e Pinga tinham dado um show de bola.

Do Real, so' haviam escapado Kopa e Mateos. Ao grande Di Stefano, que sumiu do jogo apos ter marcado o primeiro gol, restava a frustracao de mais uma derrota frente ao Vasco. Nessa suave noite de gloria para o futebol brasileiro, a grande estrela argentina tinha sido ofuscada por um astro maior: Valter Marciano. O que Valter fez nesse jogo nao pode ser descrito por palavras. Quem viu, viu, quem nao viu, nao viu. Um futebol tao magico que levou Hanot a dizer dele que "jogou um jogo de ataque tal como ha' muito tempo nao se via na Europa".

Quando penso nessa bela e inesquecivel vitoria vascaina me pergunto ate' que ponto a magistral exibicao de Valter nao acabou contribuindo para o desfecho tragico de sua breve carreira. Comprado pelo Valencia, o grande meia acabaria morrendo num estupido desastre de automovel, deixando uma enorme saudade no coracao dos vascainos. Mesmo daqueles que, como eu, nunca o viram jogar.


O Vasco venceu com Carlos Alberto; Dario, Viana (Brito), Orlando e Ortunho (Joaquim Henriques); Laerte e Valter; Sabara', Livinho, Vava' e Pinga. O Real perdeu com Alonso; Torres, Marquitos, Lesmes e Munoz; Santamaria(Ruiz) e Mateos(Santisteban); Kopa, Di Stefano, Rial(Marshal) e Gento.

Note-se que o unico titular da defesa vascaina era Orlando. Alem de Coronel nao ter podido jogar devido a uma contusao, o Vasco viajava desfalcado de Paulinho e Bellini, convocados para a selecao. Enquanto aguardavam os compromissos desta pela Copa Roca e eliminatorias da Copa do Mundo e o resto do time excursionava, os dois zagueiros e mais alguns reservas vascainos atuariam pelo Combinado Vasco-Santos, no Rio e em Sao Paulo, por um torneio que nem chegou a terminar pelo fracasso de publico. Apesar disso, vale a pena observar que nestes jogos do Combinado um desconhecido rapaz de 16 anos (JPEG, 28k), futuro Rei do Futebol, causaria sensacao, a ponto de merecer a sua primeira convocacao.

Apos conquistar o Torneio de Paris, o Vasco partiu para a Espanha, onde deu seguimento a sua empolgante campanha dois dias depois, com uma sensacional vitoria sobre o Atletico Bilbao por 4x2 em La Coruna, na disputa do Trofeu Teresa Herrera. Cairam entao sucessivamente o Valencia por 3x1, em Valencia; o Barcelona, por uma homerica goleada de 7x2 em pleno Nou Camp; novamente o Valencia, por 2x1; em Portugal, o Benfica, por 5x2 no Estadio da Luz; e de volta a Barcelona, o Espanyol, por 3x1. Nos cinemas espanhois, os gols e lances das vitorias vascainas eram aplaudidos quando exibidos nos jornais da tela.

Mais de um mes apos ter deixado do Brasil, o Vasco ainda deslocou-se ate' a Uniao Sovietica onde, ja' desgastado e desfalcado, foi derrotado pelo Dinamo Kiev por 3x1, pelo Dinamo Moscou pelo mesmo placar e, encerrando a longa e cansativa excursao em 14 de julho, pelo Spartak por 1x0.

3 comentários:

Almirante disse...

Sensacional mesmo jorge!!!!

uma aula de história Vascaína esse seu blog. cada postagem renova o orgulho de ser Vascaíno!

Impasse Livre disse...

Que história Jorge, pena que a que eu queria ler era a da nossa vitória em 98 contra o mesmo Real. Ah Nasa desgranhento...rs belo blog cara abs! Leandro Carvalho

Jorge Costa disse...

Valeu pela visita.
Infelizmente perdemos o Mundial num lance de má sorte do Nasa mas consseguimos outrs títulos importantes após.
Abraços